Antípodas
- O sol está se pondo, você viu? A parte de baixo dele já começou a desaparecer no horizonte.
- Então a esta hora deve estar amanhecendo no Japão,
- Onde?
- No Japão. Do outro lado do mundo.
- Ah, os antípodas
- Pois é, os antípodas.
- An-tí-po-da é uma palavra horrível, não?
- Melhor que artrópodes
- Hein?
(silêncio)
- Eu quero me matar.
(silêncio)
- Eu estou apaixonada.
- Você quer se matar porque está apaixonada?
- Acho que sim.
- Mas você só tem dezesseis anos.
- E o que que tem? Não sei quem foi que disse que a gente devia se matar na adolescência, quando as coisas ainda são bonitas.
- As coisas não são bonitas?
- Não. Odeio cada pedra desta cidade. Cada porta. Cada casa. Cada cara que passa por mim na rua. Odeio, odeio.
- Mas não se mate.
(silêncio)
Pela véia que o trem matô, morreu; por repetir com a mesma voz calma pela 32a. vez que sim, o rádio do carro foi roubado; pelas mesas de bar que ouviram o que deviam e o que não deviam; pelas refeições por dois e baldes de saquê; por mim, por eu ter voltado ao Caio Fernando Abreu (o texto é dele), por começar a achar cada pedra, cada porta, cada casa dessa cidade, cada cara que passa por mim na rua uma oportunidade, uma novidade, um mundo que parou de ter muros pichados.