vezenquando

Monday, May 28, 2007

Dos demônios

"É bom, às vezes se perder sem ter porque sem ter razão. É um dom saber envaidecer, por si, saber mudar de tom."


Gosto de Beatles, cachorros e de manhãs de sol, céu azul de brigadeiro. Tom Jobim e Paris Combo no rádio, chá de canela no meio da tarde. Prefiro escutar, observar cada gesto, o olhar que cala, o jeito de sorrir. Por isso ando devagar, vendo o topo dos prédios, os casais felizes, às vezes meio distraída, às vezes assobiando uma música que toca só na minha cabeça, bem leve, "je t’aime depuis toujours", o mundo não vai acabar, então espero. Quem sabe não esbarro com você por acaso, e então consigo parar.

Nesses dias em que o sol é frio e o mundo parece imerso em bolas de algodão eu abro os olhos e acredito. Em alguma coisa clara e delicada, em almofadas coloridas no chão e abraços apertados. E aí me escapam palavras doces e sinceras e nem sempre me arrependo. Porque sei que posso ser frágil, simples assim. Porque sei que sua aceitação vem em forma de sorriso baixo, olhando pro chão, achando graça nessas sentimentalidades.

Então prendo o cabelo, mostro os olhos e te deixo livre. Gosto do que já conheço, dos sentimentos que crescem e fogem do controle. Branco, amarelo e azul, é assim que as coisas ficam, claras e calmas. Vou montando as pecinhas, pouco a pouco, colorindo com rendas e canções. E, aí, nunca mais sair desse lugar que me completa. Para eu ter certeza de que posso, enfim, parar de jogar.

É quando tenho coragem de ficar, esticar o braço e te tocar de leve, como um sopro. Abrir as janelas, colocar margaridas e girassóis na varanda, uma bailarina sobre a mesa, orquídeas no xaxim. Gastar meus domingos à noite no meio de versos, "il y a toujours quelque chose d’absent qui me tourmente", prefiro os franceses, delicados como uma estudante de cachecol vermelho indo para a biblioteca no fim da tarde. E aí penso bastante e quase não falo. Só sorrio em silêncio. Esperando que você apareça sem que eu procure, com seu olhar pousado em mim dizendo sim.



Gosto de Rolling Stones, gatos e noites escuras, luzes piscando sem parar. Strokes e Iggy Pop no rádio, canecas de café preto sem açúcar. Falo bastante, muito e alto até ficar rouca, entre a fumaça do cigarro e a música que compete comigo, "must be a devil between us". Por isso eu corro de olhos fechados, rápido e sem olhar para os lados, às vezes sem saber para onde ir, às vezes buscando mais um lugar desses onde posso ficar invisível, querendo ser vista. Quem sabe não esbarro com você por acaso, e então consigo parar.

Nunca acordo cedo, prefiro ver o sol alto, o mundo já no meio, quando as coisas estão confusas e apressadas. Talvez porque não preciso de muito para viver, uma ou duas palavras em que não acredito. Um jantar, um vinho, um adeus no meio da madrugada sem beijo de despedida. Se você começar a querer ficar, sou eu que fujo sem dar explicações. Se precisar, minto, bastante e nem sempre me arrependo. Algumas coisas simplesmente não valem à pena. Porque sei que você não vai entender, nem se entregar, então.

Solto o cabelo, pinto as unhas de vermelho, te encosto na parede. Gosto do novo, das cores fortes, das sombras que escondem os rostos, dos olhares que procuram e me fogem. Só acredito nos extremos. E, cinicamente, te provo que posso. Esqueço compromissos, seu telefone, troco os nomes. Porque assim fica mais fácil ir embora. Num jogo de mostra-esconde, só peço que você volte. Para eu ter certeza que de posso, enfim, parar de jogar.

Mas isso não acontece, e é aí que coloco o ponto final e saio de cena. Preparo mudança, vendo meus livros, coloco as guitarras para tocar. Quebro copos, me estilhaço com os cacos, rio alto e choro baixinho. Gasto meus domingos à noite no meio de angústias, "
quando uno se deja corromper por esas ausencias que llamamos recuerdos", prefiro os espanhóis, amores rasgados, vermelhos, fundos e doídos. E aí falo bastante e busco. Busco como uma doida, sem saber o quê. Esperando que você apareça sem que eu procure, com seu olhar pousado em mim dizendo sim.