vezenquando

Tuesday, July 24, 2007

These boots are made for walking...

... and that's just what they'll do
One of these days these boots are gonna walk all over you.

Existiu um dia em que você não existia. E quando você não existia tudo era fácil. Eu não tinha essa mania de ficar sozinha naquele tempo. Faz tanto tempo, esse tempo em que você não existia. Era uma época em que não tinha esse olhar treinado para me apaixonar por tatuagens coloridas, rock meio indie, meio soturno, meio punk, brega de vez em quando, faz tanto tanto tempo ... quase não lembro. Mas sei que não ligava prá esse jeito de fumar, assim quase fechando os olhos quando sopra a fumaça para cima, para um modo de beber com fúria, o olhar bagunçado. Era o tempo em que preferia as camisetas pretas, jaquetas, morenos de olhar meigo. Depois que você existiu, só loiros indecifráveis, camisetas e camisas brancas - sempre. Também não via nada de mais em djs, em fotógrafos, em carros antigos, em conversas à noite daquelas que me fazem dormir feliz, só pelo fato de estar viva. Quando você não existia – e às vezes eu fico muito triste porque você não poderia ter existido para depois ir embora assim, tão rápido e para sempre – mas quando você não existia eu não ficava esperando que me acordassem com carinho, que me achassem muito especial. Eu não sabia o que eram e-mails sem resposta, não tinha nem idéia do que era alguém que não queria compromisso. Naquela época, antes de você, eu também não estava acostumada a ser abandonada por aí no meio da história (ou estava?). Quando você não existia, eu não sabia o que era ficar tentando esquecer alguém sem conseguir. Era um tempo tão calmo e tudo era simples, eu sabia exatamente onde colocar meus sentimentos, organizados em ordem crescente. A vida não era essa montanha-russa, não sentia essas saudades mortais, não pedia prá sumir da minha vida querendo dizer volta. Não escrevia longamente nem tinha lembranças torturantes ao meu lado. Sequer fazia esse olhar de menina que aprendi só porque você gostava.

Naquele tempo em que você não existia eu não ficava procurando pedaços de você em cada homem novo que passa por mim. Não tentava achar o seu olhar por rostos estranhos, um molde inquebrável que criei de você. Eu não começava esperando que terminasse de repente, nem era tão afiada para escolher suas cópias. Rascunhos seus por quem me apaixono perdidamente e que me deixam disponíveis para, se um dia, você voltar, o original insuperável. E fiquei tão boa nesse jogo, você nem sabe o quanto. Mas aí, sempre acaba e cada vez que acaba, é você que vai embora de novo. E é tão ruim, porque te perco outra vez, várias e várias vezes, narrativa sem solução. Cada não nos lábios dos seus outros nomes, é você me dizendo nunca mais.

Existiu um dia em que você não existia. E tudo o que eu queria era voltar prá lá e começar tudo de outro jeito.

Thursday, July 19, 2007

De porque eu não consigo desistir do jornalismo

SÃO PAULO - Ao chegar ao portão de embarque do vôo 3054, Marcelo Stelzer sentiu um súbito mal-estar. Antes de entrar no avião, pegou o telefone e pediu a sua mãe, que o esperava em São Paulo, para fazer uma sopa. Chegaria para o jantar. Com a sopa pronta no fogão, a mãe do técnico eletrônico não pode rever o filho. Viu pela televisão que o avião que saiu de Porto Alegre, onde ele embarcou, era o protagonista da maior tragédia da aviação brasileira. (...)


Texto desta que vos escreve publicado ontem no Portal do Estadão. Não tá lá essas coisas, porque jornalismo é uma profissão em que os textos são escritos, normalmente, em meia-hora. Mas é prá dizer que é por essas e outras que gosto desse negócio, como uma droga que não consigo largar. Prá dizer que não há ficção que supere a vida real.

Monday, July 09, 2007

De esperanças e temores franceses

"We’ll run away together
We’ll spend some time forever
We’ll never feel bad anymore"



Então, escrevo. Para lembrar de rosas vermelhas na beirada dos caminhos, da luz do sol entrando pela janela em technicolor, dourado. Da liberdade de não ter horário. Porque só fico calada nestes momentos com o papel. Quando estou comigo, na solidão perfeita que precisa de companhia. Olho para o branco da folha e vejo os livros que irei ler, a outra língua que vou falar, as risadas predestinadas. A vontade jogar tudo para o alto, tentar o novo. De novo. Imagino o quarto com uma flor amarela no vaso, jornal na cabeceira, caneca de café encostada no pé da cadeira, um computador, vitrô com batente de madeira. Uma biblioteca cheia de livros que ainda vou entender, músicas com piano e voltas pela noite, chão de paralelepípedo, caminhando para casa de mãos dadas, sabendo que valeu à pena. Um sobrado rodeado de árvores no fim de semana, sofá xadrez – não sei porque ele é dessa cor – abraço e confiança. Uma necessidade completa, pela primeira vez os pés no mar com companhia, andando juntos, com tempo. Pequenos segredos abertos somente com a minha chave. Um vinho, um nascer do sol, sono à tarde. Escrevo e só. Para lembrar que estamos todos improvisando, e que o medo caminha comigo sem me paralisar. Porque virá o dia em que as coisas farão sentido. E chegarão pessoas novas, e eu poderei confiar nelas, porque não terá perigo. O tempo em que não precisarei escutar pequenas tragédias diárias, sustos, desesperos, lágrimas e deusmelivre. O dia em que não saberei qual a hora do fechamento e quanto é o piso que não ganho. Em que os fins de semana não me matem aos poucos. E, enfim, essas coisas que eu escrevo poderão ser eu, sem máscaras. It’s the first day of the rest of your life. Escrevo para lembrar que não vejo a hora de tirar férias da minha vida. E que será bom, simples assim.