vezenquando

Friday, December 21, 2007

Presente de Natal

Entao.
Queria te desejar Feliz Natal.
Assim mesmo, em português, porque Joyeux Noël nao transmite aquele calor de fim de ano, de vontade de começar tudo de novo e melhor, nao tem gosto de café com panetone à tarde, nao parece com a correria de ter que passar o Natal num lugar e o Ano Novo em outro. E nao me diz nem um pouco daquele calor de dezembro, cheio de praia, familia e barulho.
Entao.
E ai também queria te dar um presente. Mas nao daqueles que chegam pelo correio. Queria te dar um aleph, uma caixa de pandora do bem, um bau para abrir e dividir com você a alegria dos ultimos meses. Queria te abraçar e queria que você visse o colorido da Festa das Luzes de Lyon. Queria que você chorasse ao ver as estrelinhas no prédio da Opera e ouvir o barulho do mar. Que você andasse pela beira do Rhône escutando a banda de jazz que começa a tocar no navio bem quando você passa. Queria que você descesse a escada suja da Perrache e andasse pelo Marché de Noël escutando Ceremony, do New Order, e que visse o tanto de vermelhos que eu vi, como se fosse um novo começo de vida. E eu queria que você ficasse levemente tonto com tanta descoberta, com tanta felicidade. Queria te dar o vinho quente de Strasbourg, aquela sensaçao leve, bem leve de andar para chegar a lugar nenhum. Queria te mostrar a parede colorida do meu futuro café, queria que você sentisse o mesmo conforto de entrar numa sala quente depois de passar frio na rua. Queria te dar um beijo de tigela com leite e mel. De pain d'épices. De um almoço farto, em que você come até ficar sem assunto. Queria sentar ao seu lado e queria que você visse a cidade de dentro de um barco quentinho, escutando musica classica, vendo as arvores brancas de frio, as casas mais estilo europeu da Europa, perdesse o lugar onde foi criada a Marseillaise e se assustasse com os patos que nao sentem frio dentro d'agua. Queria te dar um pôr do sol cor-de-rosa na praia, um cachecol de seis voltas, a felicidade de uma resposta esperada, um ipod com Wilco, Beatles, Brian Setzer, Pulp, Teresa Cristina e a trilha sonora de Alta Fidelidade. Queria segurar tua mao e passar o brilho do sol no inverno, aquela imagem de rios e pedras e arvores correndo pela janela do trem. A euforia de dançar muito e rir bastante com alguém que se gosta. Queria que você soubesse daquele olhar de quem acorda mais cedo so pra ficar olhando...
Queria poder dividir tudo isso. Com você.
Entao, Feliz Natal, paz no mundo, amor nos coraçoes.

Tuesday, December 18, 2007

My blueberry nights

You've got to
Hold her
Squeeze her
Never leave her
Now get to her
Got got got to try a little tenderness


E se me conhecesse hoje, você falaria comigo? Se agora a gente se esbarrasse numa festa qualquer, eu iria te ensinar a comer pinhão e descascar mimosa? Se fosse hoje, tanto tempo depois que a gente se cruzou da primeira vez, sairíamos andando no frio e falaríamos sobre carros roubados, cidades de cor cinza e shows que a gente assistiu juntos sem se conhecer?

E se tivéssemos apenas acabado de nos encontrar, ainda assim você iria procurar meu nome na internet e descobrir que eu gosto de Red Hot Chilli Peppers e escrevo bobagens num blog? E será que dessa vez as minhas palavras iriam te dizer alguma coisa?

E se a gente tivesse se beijado no sábado passado, você me ligaria na segunda para o cinema das quartas-feiras? E seria o último do Wong Kar Wai e, mesmo assim, eu iria errar o horário e chegar atrasada? E, se fosse hoje, será que voce me esperaria encostado na parede com medo de eu nunca aparecer? E se a gente assistisse ao filme de mãos dadas será que agora você iria perceber que o amor não é questão de timing, mas de tempo, e que ele acontece assim, num café, durante a multa de trânsito, no meio da derrota no futebol? E no meio há viagens, cartões postais e alguém esperando do lado de fora sem adeus porque não percebeu que a última saída era pra sempre?

E se você nunca tivesse me visto e me conhecesse hoje, mesmo assim você não se lembraria de mim nos domingos? E eu continuaria não preenchendo os fins de tarde, começos de noite, quando a ressaca do fim de semana passou e só sobrou o vazio? Se fosse agora, nem assim você me ligaria? E ainda seria o meu menino das quartas-feiras porque o fim de semana estava reservado?

E se agora eu estivesse muito muito longe, será que você se lembraria de mim em cartazes franceses? Se eu estivesse muito feliz alone, in love with nobody else sera que eu iria cair nos seus braços? E se eu caísse, você iria segurar a minha mão? Será que tudo iria durar mais de três meses mas sem chegar ao Natal? Será que nem assim?

E se hoje eu estivesse sentada na praia, olhando o mar, e pensando nas coisas que ficaram para trás, você me olharia, conversaria comigo e veria que eu tenho covinhas quando sorrio? E se eu te encontrasse em um bar com garçonetes que saíram de um filme do Almodóvar você sentaria ao meu lado no balcão? E se eu me empolgasse e falasse muito sobre coisas chatíssimas como literatura e autores desconhecidos você estaria ali prestando atenção e me olharia daquele jeito? E eu ficaria aturdida e esqueceria completamente o assunto? Será que agora você não faria nada para que eu ficasse ao seu lado?

E se me conhecesse hoje, tudo seria igual? Será que a gente iria brincar de 2046 ou de Blueberry Nights?

Tuesday, December 04, 2007

Asas do desejo

The colours fade to grey
And I'm left with black and white
Don't know why I try
To fight with what is right
The truth is on our lips
It looks like time to tell
But you know I could be wrong about that as well
I thought a happy ending was more or less assured
I thought a little warmth could win the war
I'm wrong about everything
I think that I can sing
And when you hear the song
You'll wanna sing along


Em preto-e-branco, o sol nasceu. Uma noite de insônia, de lagrimas secas, o amanhecer angustiante, descolorido. A chuva fina, branca, tons de cinza no mar, o coraçao duro, preto, e a frase que ia e voltava, "entao é meu beijo que diz 'eu te amo' que é demais pra voce?". A noite negra sem estrelas, o dia cinza. "É o meu abraço 'sou sua' que você nao quer?" Preto-e-branco, o primeiro amanhecer sem cores. Ela zonza, desbotada. O principio de um tempo sem vermelhos, azuis, amarelos. Fade out em cinza, aquele homem se foi.

E vieram outros. E a mao que buscava calor aprendeu a mudez; os labios frios, o silêncio. Para sempre. No olhar o medo: é demais? Desaprendeu as cores. "Seus olhos sao azuis?" Nunca mais soube sozinha. É perigoso assim tao perto, machuca. Doi, quebra em caquinhos, rouba a cor do mundo. Verde desmaiado, rosa-palido, um mundo de palheta aguada. Dos seguintes, nao se lembrava do andar, a curva dos ombros, como era mesmo a sensaçao de abraçar e chegar muito perto? E os seguintes foram muitos. Começou a acreditar que tinha pouca memoria recente. Nao lembrava quantos. Nada podia ser tao sério a ponto de devolver as cores do mundo. Os tons das emoçoes.

Entao ela aprendeu a subir muito alto e a olhar o mundo de cima. Falava muito, sem sentir. So nao sabia por quê. Nao sabia, estatua bege, que nao tinha perigo. Entregava-se a qualquer coisa pra lembrar como eram as agulhas, que gosto tinha o vermelho. Ia aos bares mais escuros, os teatros mais vazios, os menores cinemas. Muita luz, nao, obrigada. Detestava Wim Wenders, David Lynch, aquelas narrativas sem sentido, comoassim fotografia das emoçoes.

Até que.

Até que um dia ela senta na janela do sexto andar e sente dor. Em preto-e-branco, lembra. Até que ela cansa de chorar lagrimas secas. Até que ela começa a sentir medo de aviao, assim de repente. Até que ela atravessa um mar nessa maquina sem chao, la embaixo a agua, voumorrervoumorrer. Até que ela coloca o pé em terra firme, engole o medo, perde a fala e aceita o abraço. Até que faz sol atras do mar. E ela se entrega, depois de tanto tempo, de verdade. Olha nos olhos e sabe: castanhos. Até que ela vê a mao que procura a sua, estica o braço e ele responde. Laisse toi aller. Até que ela abre os olhos e ve o mundo transformado num puteiro, vermelhos azuis amarelos luzes luzes perfumes vinho quente cerveja choca rosa lavanda macarron chuva terra molhada margem de rio lama roxo verde éclatant berrante gritante tudo agora ao mesmo tempo. E ela grita, fade in furta-cor. Até que ela chora com a cena do anjo que caiu do céu para sentir o gosto do sangue. Para tomar um café e descobrir a diferença entre o ocre e o marron, o laranja e o amarelo. E ela chora e ela sorri e ela nao sabe o que sentir e no meio da aula daquelas linguas estranhas, alemao, francês, ela entende tudo. O anjo e a trapezista. A voz grave, Nick Cave. Num segundo, ela descobre que nao sabe mais de nada. Que vai ter que aprender tudo de novo. Adolescente, descobrindo o mundo com fome. O espectro solar dos sentimentos. Colorido, chocante, assustadoramente bom. Daqui a pouco, ela aprende a amar.