vezenquando

Monday, January 14, 2008

Cadernos de viagem - Itália

Uma colecionava noites de luar, a outra, pôr-do-sol. Uma achava triste os fins de tarde, um sofrimento sem nome, terrível. A outra procurava com alegria o lilás e cor-de-rosa no céu azul, riscado pela fumaça branca dos aviões. Foi quando ainda subia em uma cadeira para encontrar o horizonte, olhando através das louças secando no muro que ela aprendeu: ao lado daquele pinheiro o sol vai descer e tudo vai ficar amarelo-cor-de-rosa. Às seis da tarde, a mãe fugia para não perceber o começo da noite. A menina plantava os cotovelos no muro e sorria em silêncio.

Depois, quando a escuridão já não dava medo, vinha a lua, redondaclara. Com a mãe, apontava quais eram as quatro fases. Seguiam juntas pela janela do carro a luz branca por trás das árvores. Mas, por dentro, a pequena preferia contar estrelas: o Cruzeiro do Sul, as Três Marias, a Estrela d’Alva, um tal Sete Estrelo, que o pai dizia que só aparecia lá no hemisfério norte…

Então o tempo, este implacável, ensinou para a menina crescendo que junto com o medo dos fins de tarde havia a Grande Tristeza, olheiras fundas, lágrimas contidas, uma escuridão pesada. A coragem de engolir os soluços, seguir em frente e sorrir apesar do olhar de sombra. Períodos de noite negra, com um fio fino, tão frágil, de alegria.

E para não contrariar a coleção cintilante dos luares, ela foi guardando para si mesma os sóis se pondo: no lado esquerdo da varanda de casa durante a primavera, à esquerda da casa de praia no verão, depois dos churrascos na adolescência, pela janela de um apartamento escuro no centro quando tudo era difícil, do quarto de Pinheiros quando resolveu ser adulta, de cima do Arpoador para suspirar, do prédio da Bela Cintra quando as lágrimas eram impossíveis, por trás do Tietê para respirar.

E aí a garota se apaixonou por pessoas solares e descobriu que também era solar. Que o melhor das noites escurasvertiginosas era esperar o amanhecer sentada no meio-fio com a maquiagem borrada. Roxo, azul, amarelo brilhante, braços abertos, purpurina, água de côco, gargalhadas altas, branco e vermelho clarinho. Nunca esqueceu: Clarice Lispector empoeirada no livro confessando ser lunar e uma voz real de olhos verdes lhe dizendo: a gente não dá certo porque você chega com a luz da manhã, você é solar. Foi nessa época que ela acreditou que não precisava perseguir a lua.

Então, longe de casa, do muro onde as louças ainda secam, descobriu que tinha muitos sóis guardados e mandou cartas para avisar. A faca cortou o papel e dos envelopes escaparam raios lilases, vermelhos, dourados. A coleção fugiu em pôr do sol, iluminando os luares. A menina ofereceu a mão, Vem, mãe, olha como fica claro. Ela teve medo, mas foi.

Fez a mala e levou sua luz lunar, mas esqueceu a escuridão no fundo do armário. Segurou a mão estendida e as meias-luas embaixo dos olhos sorriram. Depois de tanto tempo, percebeu que o dia não cegava e abriu os braços. No alto da colina, a mãe conheceu os raios que ultrapassam a cerração e acompanhou pela janela do trem o sol frio de inverno, tão vivo. E foi por trás do mar num país distante que ele se pôs pela primeira vez em colorido. E ela não teve medo, esqueceu o sofrimento sem nome. Abraçou a menina e o choro engrossou seu fio de alegria. Tropeçando como quem anda cego pelo sol, caminhou ao longo dos canais de água clara, viu máscaras de guizo, lantejoulas, conheceu a neve em estrelas pontiagudas, seguiu gôndolas, enfrentou o vento com a coragem de sempre e reaprendeu a rir até perder o fôlego. Conheceu as estrelas do hemisfério norte no céu claro e juntas, mãe e filha, banharam-se de branco.

De volta para casa, ela liga para a menina com a notícia: do alto do avião viu o sol nascendo e começou uma nova coleção.