vezenquando

Sunday, October 02, 2011

Nos domínios da poesia

Às vezes, é um feixe de luz dourado coado pelas folhas das árvores. Uma flor miúda entre as rachaduras da calçada. O risco das letras que, unidas, se transformam em melodia. Detalhes que fazem o tempo parar, ficar suspenso em um suspiro... e então desabrochar em deslumbramento. Antes de aprender a ler, pedi aos meus pais que me ensinassem a escrever. Achava as palavras uma coisa mágica: quando se juntavam em fios sonoros, eram capazes de provocar essas maravilhas inexplicáveis que eu via, ouvia e sentia. Anos depois, descobri que esse arrepio se chamava poesia. No alto da página de um livro da escola, uma moça de cabelo muito escuro chamada Cecília Meireles me disse que cantava porque o instante existia e a vida estava completa. Ela não era nem alegre nem triste: era poeta. Foi como se eu tivesse aberto uma sala proibida. Com os olhos arregalados e o coração aos pulos, espiei estrofes, rimas, sonetos, canções – e os ritmos que percorria abriam espaços claros de emoção no meio dos meus dias. Em cadernos, eu copiava as sentenças mais bonitas e ensaiava as minhas. Guardava as páginas como se fossem pequenas pérolas, que jogavam brilho na rotina. Quando pude, comprei meu primeiro livro, uma antologia de capa branca e fina do Drummond. Foi quando entendi que poesia é transformar o comum em belo. Enxergar o mundo pelo prisma do singelo, do incrível. Mais do que em metáforas, o poético se esconde nos pequenos gestos. Congela em palavras a beleza que, de repente, decide se revelar. E constrói frases com ou sem rima, que tornam sentimento uma flor, uma linha de luz ou o risco das letras – que a qualquer um pode surpreender.

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