vezenquando

Thursday, October 04, 2007

Ao som de Sonata ao Luar

Nunca tinha visto um piano de perto. Todo marrom e grande, impossivel. A professora sorriu, abrindo a tampa. Susto, susto, medo, medo, fascinio, confusao, tudo junto nos olhos da menina de oito anos. 'Toca.' Ela engoliu o medo, arrumou-se no banquinho e a primeira tecla saiu esquisita, apavorada. Em um mes as teclas se juntaram e viraram acordes, mais meses e mais acordes depois, musica.


Esses dias me voltou a cena daquela primeira aula de piano. O susto ao ver as 88 teclas, o pavor de tocar naquele mundo em branco e preto, frio, fechado... fascinante. Aquele instrumento gigantesco, muito maior que eu, que nao sabia como funcionava mas queria dominar... A mistura de alivio e alegria quando a primeira aula acabou.

Lembrei do piano pensando em Lyon. Nao, nao estou morando em Paris. O nome da cidade é Lyon, sul da França, 'une ville de brouillards et de marchands'. Pequena, medieval, com ruas todas iguais, dois rios diferentes, escadas e mais escadas. Calma, provinciana, bonita, até. Parece muito Curitiba, um grande Largo da Ordem em paralelepipedo.

Mas é assustadora. Como uma primeira aula de piano. É um mundo com um codigo que nao domino. Um mundo que da vontade de fugir correndo. Para Paris. Que é grande, onde é facil ser anonima. Um milhao de oportunidades claras. Porque ainda nao vi de perto. Lyon nao. Lyon é o piano na minha frente. Os franceses sao um piano. Ainda nao sei qual é a tecla certa para que a musica comece. Tudo ainda sai meio apavorado, incerto. Queria tocar cançoes, mas nao sei onde fica o do, os bemois e sustenidos. Olho para a cidade com curiosidade e medo, com vontade de que a partitura fosse facilitada pra eu sair tocando.

Mas eu sei que nao me adiantam musicas para crianças. Sei que nao vou sossegar enquanto nao dominar as teclas do jeito mais dificil. No allegro fortissimo. Porque depois, quando fechar o olhos, vou saber que a musica compensa.

Quero crer que Lyon é mesmo parecida com Curitiba. Que as pessoas sao assim, lindas, frias, blazes e impossiveis so à primeira vista. Depois, tornam-se confiaveis e doces. Afinal, tenho amigos para a vida toda que vieram de la. Eu vim de la. Do meio dos curitibanos impossiveis. Do meio da dificuldade quase intransponivel que é a cidade.

Ontem descobri o que significam 'brouillards'. Cerraçao. Melancolia. 'Lyon noir'. É Beethoven, meu preferido. Chopin, o mais romantico. Os mais dificeis. Os que nao se doam à primeira vista. Os que terminan no ultimo acorde com um misto de alivio e alegria. Os que parecem muito comigo, enfim.

4 Comments:

At 9:30 PM, Anonymous Anonymous said...

eu sempre sou mais fã dos microcosmos. Conheceria Paris, mas viveria em Lyon. Enquanto nem um nem outro me é possível, fico pela Mooca...

 
At 9:58 PM, Anonymous Anonymous said...

Eu nunca vi um piano, nunca...teu gostei da auto-depravação do enrredo

 
At 9:44 PM, Anonymous Anonymous said...

ritoca,

essa fase tem a sua magia, é entorpecente como uma droga boa. aproveita que passa :)

saudades!
carol.

 
At 8:58 PM, Anonymous Anonymous said...

Passeie às margens do Rhône ao som de Comptine d'un autre été e você nunca mais vai querer saber de Curitiba ou Sampa, rânei...
Beijos e saudades.
Cinara

 

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