vezenquando

Monday, November 03, 2008

Letter to Memphis

Todo em pedaços. Você me aparece assim, espreitando em uma esquina, caminhando apressado, dando risada enquanto atravessa a rua. Às vezes, seu olhar está em alguém na calçada ou a nuca se vira descendo as escadas do ônibus. Outras, é o som da voz, que aparece de repente. Frases sem rosto, olhos que não combinam com a boca e o nariz, meio apagados pelo tempo. Todo quebrado, não consigo te resconstituir na minha memória, cacos descompostos. Uma jaqueta muito feia, uns ombros magros, que combinam tanto com você mas não batem com a idéia que quero guardar. Os óculos que vejo presos no nariz de outras pessoas e me pergunto se eu realmente desgosto-gosto disso tudo. Do conjunto ou dos pedaços? E junto aos joelhos finos e à barba escura suas palavras incompreensíveis que esbarram em mim e eu pego nas mãos, acaricio e não sei se guardo para mim ou coloco em cima da mesa para para depois. Não sei se merecem outras palavras em resposta ou se ganham o silêncio. O silêncio, talvez, já que falam de confianças, planos futuros, de coisas bonitas, enfim, essas coisas de amor. Essas coisas distantes, um eco no telefone, uma língua nova, estrangeira. Traduzir assim é tão difícil, mon amour, com essas fatias de você andando por todo o lado, se misturando a pedaços de outros, aos sentimentos difusos, a dissimulações e medos e certezas perdidas.

Uma tristeza assim, quando tenho certeza que não, uma alegria assim assim, quando digo que pode ser, talvez. Uma vontade de esmagar os pedaços todos e construir tudo de novo em outro molde, mais arrebatador e violento, com um barro de vermelho intenso. Mas quando, de repente, os fragmentos se unem em uma imagem clara na lembrança eu quero tanto dizer sim. Sim cor verde de menta, cor-de-rosa de tijolos, rio azul com sol e sorvete. Aceito as frases que tentam passar barreiras, obstáculos, pedras calcadas em medos escuros. Trying to get to you, how I tried to get you... Mas, tão rápido, tudo se embaça enevoado, quebra-cabeça de tempos passados presentes futuros, e reconheço seu gesto fumando devagar um cigarro enquanto espera alguém na porta. E eu fecho os olhos para apagar essa coisa salgada, que parece tanto com saudade...

2 Comments:

At 10:35 PM, Blogger beto bombig said...

Belo mosaico desses sentimentos difusos que uma só palavra, mesmo bela e original, não dá conta de expressar.

 
At 7:10 PM, Blogger Mari Carpanezzi said...

Deve ser saudade.

 

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