vezenquando

Tuesday, April 08, 2008

Pa'Bailar

E começa com uma menina de saia florida girando, girando, girando, até cair no chão. A vertigem, tontura antes de se jogar no canteiro de margaridas. E explodir em risadas, rosto vermelho. Depois os tios com um violão na varanda, a tarde cheia de música. O pai empilhando os tijolos para o churrasco no quintal: bodas de ouro dos avós. Cadeiras de lata na garagem, garrafa de tubaína, prato de papel. A família em festa, a mãe dançando muito, feliz. O tio português e suas piadas, o irmão sem alcançar o alto da mesa, uma felicidade ingênua e vermelha, terra do interior.

E continua num show de música argentina, Lyon, França. O auditório inteiro em festa, pulando em frente ao palco, feliz. Numa viagem de fim de semana pelo interior desse país, numa cidade por acaso, impressionante. Na Art Noveau escondida em prédios e copos de café, chocolates e latas de bergamotes. Andando admirada, dando risada sozinha com o humor de paredes retorcidas para alegrar a vida.

E termino dizendo que isso é só para explicar que, de repente, recuperei um contentamento gostoso de churrasco no quintal, uma alegria de irmão na ponta do pé para passar o dedo no bolo. Lá de longe resgatei uma sensação perdida há tantos anos, aquela felicidade sufocada desde que surgiu uma risada alta para compensar alegrias escondidas, quando A Grande Cidade Cinza apareceu e engoliu tudo. Desde que foi preciso se quebrar em muitas máscaras e criar uma pessoa séria e discreta para o trabalho, desconfiada e quase blasé para a noite, salto e camisa para o dia.

Sem mais nem menos, comecei a me lembrar de alegrias passadas, cenas guardadas no cantinho da memória. De pessoas de antes que me escreviam, lembrando principalmente risadas e bom humor fácil. E entendi que essa felicidade simples tinha sido tão esquecida que quase não sobrou nada além do sarcasmo – muito mais adequado para a firma, para os perigos dessa vida adulta. Mas aí, a repartição foi embora, as pessoas ficaram longe e, de repente, posso voltar a ser só uma menina de Curitiba, meio distraída, meio bobinha, mas feliz mesmo assim. Daquelas que têm um milhão de dúvidas sem respostas, uns silêncios soturnos e um vocabulário esquisito de filha de professora de português. Que não precisa saber de tudo, nem ter sacadas geniais ou dar contribuições inteligentes para a conversa. Que não precisa provar que vale à pena.

E aí, ufa, voltei a ter cabelos cacheados e olhar a vida com bom humor, sem desconfiar de tudo e de todos. Esqueci em cima da mesa da garagem a preocupação com essa coisa de fazer a vida dar certo, arranjar a companhia ideal, escrever texto bom. E percebi que dá para dizer que gosto mesmo de algumas pessoas, sem que o abraço seja vazio. Para falar sozinha e rir de si mesma, fazendo bonequinhos de gelo ou cantando música década de 80 em versão escola. Dá para ser sincera e dizer que ando pensando na vida, e dá para falar muito, porque sou mesmo toda desajeitada com as palavras. Posso usar a calça descombinada da blusa, me perder em ruas todas iguais, ir para casa só para terminar o livro, esquecer a lição de casa. Ter fases de pura tristeza, cansar delas e voltar para vida, batendo a porta com violência. Dá para ser só eu mesma, a liberdade de rodar muito em frente ao show de tango qualquer coisa, vertigem, tontura, lembrança de um vestido florido girando, girando, girando. Sorriso em silêncio assistindo a uma banda que quase só eu gosto, e é assim mesmo. Fazia tanto tempo, tantos anos que não sabia mais o que era isso de ser assim, uma só. De achar que a vida é bela e a felicidade até existe. Daquelas felicidades ingênuas e vermelhas, feito bolo com tubaína, esquecido no prato para ir brincar.