vezenquando

Tuesday, September 28, 2010

Bairro Alto

... tem um pedaço de mim que ficou lá, ela diz. Um pedaço de mim entre um quarto claro e um pano xadrez. Quando ele apareceu no portão, sentou sobre a cama e segurou minha mão. Do alto daqueles 13 anos, nunca tinha estado tão apavorada, tão feliz, tão certa. No sorriso dele, no jeito de passar as mãos no cabelo, um par de braços mais experientes em que eu podia mergulhar e desaparecer de tantas dúvidas. So close, no matter how far...

Eles começaram a conversar no ensaio da peça da escola, sobre música. Como assim, você, Metallica, não tem nada a ver, ele disse. Pois é, eu tenho dessas, ela respondeu. Então eles tinham algo em comum. O garoto bagunceiro e a representante da sala. E tinham um assunto em que se sentiam juntos e moravam no mesmo mundo, sem dores. Fora dali, sofriam, adolescentes, sangrando. Ele gravou uma fita com as melhores músicas. Levou pra ela, depois da aula, numa tarde bonita de acácias e ameixas. Apareceu no portão com o presente, as faixas escritas a mão. Enfrentou mãe, café, cachorro e irmão mais novo. Ela achou bonito. E sorriu. Ele baixou os olhos. E sentou sobre a cama. All these words I don't just say...

Mas nada aconteceu. Ele sentou, a fita, as mãos juntas, desesperei, a mãe gritou, a casa entrou em convulsão. Disse que precisava sair. Ele não entendeu, nem eu, nem o cachorro, latindo feito doido. No portão, um beijo negado, as acácias ventando, a ponta começando a doer. Então, entrei em casa, e ouvi gritos por algo que não entendi. Acho que foi aí que nunca mais entendi nada, ela diz. Como faz gostar de alguém e ser gostada de volta? Desde essa tarde, um descompasso, feito um acorde de metal duro e frio. Tem um pedaço de mim que ficou lá, entre a música, o primeiro amor e aquele mundo que, finalmente, fazia sentido, porque era junto. Cortado pelo grito, um desconcerto pra sempre. Dança sem música, sem par. Forever trusting who we are. And nothing else matters.

Tuesday, September 07, 2010

Daquela série antiga de cartas para não mandar...

Thank you for taking me from my monastery
I was dying to get out...


É mesmo, muita alegria para não compartilhar. Tudo bem que há luas claras, risadas silenciosas e sóis se pondo que não podem e nem devem ser divididos. Mas eu, de coração gordo, queria tanto me separar em pedaços e colocar no colo de quem eu amo umas estrofes poéticas, cores muito fortes, alegria gritante, música para ser feliz. As descobertas dos últimos dias, olha esse Baudelaire, que bonito, todo bêbado de álcool, virtude ou poesia. Em francês, sonoro, descrevendo as escadas de metal de Paris de um jeito tão lindo que dá vontade de chorar. Ou em português, as pedras, a educação pela pedra, a pedra surrealista do Herberto Helder de uma vida distribuída por solidão. Essas imagens soltas no ar que vão se unindo em caleidoscópios art nouveau, sentidos que se unem e se separam e são belos e são rápidos... como essa felicidade sem amarras que andou por aqui. Que anda comigo quando eu subo as ladeiras até em casa assobiando e deixando a tristeza para depois, em uma hora que eu nem sei se vai chegar.

Porque, por enquanto, é só isso, um thank you for making me see there's life in me, uma certeza de que, quando você aparece, existe um símbolo de pertence entre mim e o mundo. A última peça do quebra cabeça que faz a imagem aparecer, completa. Tanto tempo ali, chaveada no armário que deu tempo de esquecer como era bonita. Por isso ela vai saindo assim, meio sincera, meio desastrada, meio empoeirada, mas tão feliz de existir. Entre lenços e cores e nuvens e uma saudade de um futuro dividido que nunca chegará. Mas que é bom assim mesmo.