Só hoje...
... eu queria sair da faculdade caminhando devagar, pegar o ônibus e ir parar em casa. Afastar o portão, receber a lambida-oi! do cachorro e a reclamação da minha mãe de que o arroz ainda não está pronto - antes do oi! dela. Então, eu veria meu pai saindo apressado para ir trabalhar, lavaria as folhas de alface na água gelada e sentaria à mesa com a minha mãe, que iria contar que o filho de uma conhecida fez alguma coisa muito inexplicável...
Então eu iria ficar com muito sono, colocaria o prato na pia e iria tirar uma soneca. Quinze minutos depois, o telefone iria tocar, é meu pai, perguntando se esqueceu mesmo a conta em cima da mesa. Aí, depois da soneca interrompida, vem o video show, e eu adoro o vídeo show, porque depois tem a sessão da tarde. E depois da sessão da tarde tem o café da tarde, com pão quentinho comprado na padaria, geléia, margarina e pão de queijo.
E então minha mãe iria ligar para as irmãs e desligaria o telefone cheia de novidades. E, meio irritada, eu interromperia minha leitura, de uma revista qualquer, e iria saber mais dos problemas lá do interior do Paraná. E aí, a noite caiu e nós já começamos a cortar legumes e colocar a mesa. Chegou a hora do jantar e meu pai despeja no prato muitas reclamações do trabalho. Mas damos risada e minha mãe manda uma mensagem para o meu irmão, que responde, e eles discutem por qualquer motivo e eu posso terminar de folhear a revista abandonada. E, nesse início de noite, posso escolher se vou ao cinema com o gatinho ou se fico em casa organizando minha coleção de músicas... E quando eu for dormir, estaria bem tranquila, sabendo que amanhã não há nenhum desafio, nada de ameaçador para enfrentar.
Só um dia. Dessa chatice toda com as pessoas que a gente ama e confia.