Do momento presente que se chama amor
Se fosse para guardar uma imagem de você ela seria assim, um colorido de bexigas pelo céu. Leve, bonito, circular e solto no azul. Umas imagens de encontros entre véus e tecidos, flores e frutos, vermelhos e verdes clarinhos de sossego. Se fosse para guardar uma palavra de você ela seria muitas, entre Machados de Assis, Balzacs, Hannahs, Molejões, Freuds, Ferrys, Raças Negras, Brian Enos e Queneaus. Seriam substantivos e adjetivos, improváveis, juntos, belos, com um sentido profundo sobre o que é ser feliz. Seriam frases de encontros, pontos e vírgulas de calma e uns travessões de sobressaltos. Se fosse para guardar músicas, músicas de você, elas oscilariam, marola e molemente, entrando assim, como não quer nada, em um oceano de luzes cortado por riscos pianinho, solfejos de violinos e escalas de sopros, suspiros, sorrisos. Canções que terminam em silêncio e voltam rápidas, alegretto, agudas, sustenidos sobre o fundo de baixos firmes, poderosos, quase completos. E tão ingênuos, pueris. E essas músicas estariam em um filme, porque se fosse para guardar um filme, um filme de você, ele teria muitos retalhos sofisticados, versos pelas calçadas esburacadas, cidade, praia e poesia. Cenas fortes, umas explosões salpicadas de sangue vermelho de amizade, paixão, amor, no caso. Ali e lá uns questionamentos em furta-cor, caleidoscópios de descobertas, aquelas polaroids de vida resumida em uma tela: pretos, brancos, sépias e epifanias. Um cansaço em algum momento, uma tristeza de solidão, uma bailarina linda linda linda e piruetas, uma sexta-feira à noite e futuro que nunca chega. Intervalo, sessão da tarde, doce na geladeira. E, se fosse para guardar... colocar em uma caixa com laços um perfume de você, ele teria a ver com laranjeira e baunilha, um frasco muito bonito de tampa dourada que se abre assim, sem parecer importante. Bouquet perfeito, rosas delicadas, pétalas claras e ferpas de madeira, muitas delas, presentes e sensíveis, fortes e etéreas. Se fosse para guardar você, eu guardaria muitas coisas boas, de maturidade e olhares e risadas de menino descobrindo que é bonito. Mas se fosse para guardar não seria assim e não seria de uma liberdade com ondas de espuma branca porque você é livre, assim como eu, assim comigo. De uma liberdade que vai e vem, que volta e parte, que é verdadeira e plena, que não pode ser guardada. Se fosse para guardar não seria tanta beleza tênue e doce. Se fosse para guardar não seria.